Tudo é permitido.


Não poderíamos nunca, sem a ecologia, justificar a existência de duas fileiras de alimentação, uma saudável e biológica para os ricos e seus rebentos, a outra notoriamente tóxica para a plebe e seus descendentes, prometidos à obesidade. A hiper-burguesia planetária não saberia fazer passar por respeitável o seu rumo de vida se estes seus caprichos não fossem escrupulosamente “respeitadores do ambiente”. Sem a ecologia, ninguém teria ainda autoridade suficiente para fazer calar toda a objecção aos progressos exorbitantes do controlo. Rastreio, transparência, certificação, eco-taxas, excelência ambiental, polícia da água, auguram o estado de excepção ecológica que se anuncia. Tudo é permitido a um poder que toma a autoridade sobre a Natureza, a saúde e o bem-estar.
[...] O novo ascetismo bio é o controlo de si que é exigido a todos para negociar a operação de salvamento que o sistema se atribuiu a si próprio. É em nome da ecologia que será necessário apertar os cintos daqui para a frente, tal como o foi em nome da economia até aqui. A estrada poderia seguramente transformar-se em pistas de bicicletas, nós poderíamos mesmo, nas nossas latitudes, ser um dia recompensados com um rendimento garantido, mas apenas como prémio de uma existência inteiramente terapêutica. Aqueles que defendem que o auto-controlo generalizado nos poupará da submissão a uma ditadura ambiental mentem: um fará a cama para a outra e nós acabaremos por dormir com ambos. Enquanto houver o Homem e o Ambiente haverá sempre a policia entre eles.

A insurreição que vem, Lisboa, Edições Antipáticas, 2010
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